Boletim das águas

Edição 2015

Artigos Científicos

Uso do DDT: um perigo eminente para a saúde humana

Incluído em 22 Mar 2016
O DDT, uma substânciaproduzida em 1874, por um laboratório de Estrasburgo, França, e queteve sua propriedade como inseticida descoberta pelo Químico PaulH. Müller, em 1939, o que lhe agraciou o prêmio Nobel de Fisiologiade 1948. Considerado o primeiro pesticida moderno, o DDT tornou-sea grande panaceia, sendo produzido e comercializado em larga escalae utilizado no combate e tentativa de erradicação dos mosquitosvetores da malária e do tifo (OMS, 1982).
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Autora

  • Silvia Regina Gobbo
    FACIS/UNIMEP - Faculdade de Ciências da Saúde Universidade Metodista de Piracicaba

Os compromissos olímpicos e o legado para o saneamento ambiental da cidade e da Baía da Guanabara

Incluído em 8 Mar 2016
Este capítulo apresentaos avanços ocorridos desde a escolha da cidade para a sede dasOlimpíadas em 2008, discute os possíveis legados e sugereestratégias para a despoluição da Baía da Guanabara, praias esistema lagunar. Depois desta breve introdução, a segunda seçãocontém uma descrição sumária do problema de saneamento e ambientalque existia em 2008, quando a cidade do Rio de Janeiro aceitou odesafio de sediar os Jogos Olímpicos. A terceira seção apresenta oque foi feito no período 2009/2014. A quarta apresenta o que foi jáconcebido e se planeja execução para depois de 2015. Por último, naquinta seção, é exposta a grande lição que se pode extrair doconjunto de questões apresentadas.
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Autores

  • Marilene Ramos
    Engenheira, M.Sc., D.Sc., professora da FGV-Rio, Presidente do IBAMA
  • Jerson Kelman
    Engenheiro, M.Sc., Ph.D., professor da COPPE-UFRJ, Presidente da Sabesp

Gestão de Sustentabilidade e de Responsabilidade Social no Setor Empresarial: busca do atendimento dos compromissos das recentes conferências das Nações Unidas - com ênfase para a proteção dos recursos hídricos

Incluído em 24 Fev 2016
Neste artigo, o autorem conjunto com seus colaboradores (ver lista de especialistas quecolaboraram na preparação do documento no Capítulo Agradecimentos),revê e discute inicialmente o conceito do modelo de "EconomiaVerde" do ponto de vista do setor empresarial, seus enfoques edesdobramentos, para a promoção de desenvolvimento sustentável, eas ações futuras a serem implementadas no âmbito nacional einternacional, com base no documento "Economia Verde",originalmente preparado pelas Nações Unidas, que serviu de basepara as discussões da Conferência Rio +20, Cúpula Pós-2015 e COP21. Neste artigo, também são propostas ações e recomendações comênfase para a proteção dos recursos hídricos e garantia do acesso àágua em quantidade e qualidade adequada, com base nas resoluções ecompromissos aprovados na Conferência Rio +20 (Rio de Janeiro), naCúpula Pós-2015 (New York) e na COP 21 (Paris).
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Autor

  • Marcelo Drügg Barreto Vianna
    Engenheiro Civil (1973) Universidade de Brasília, Curso de Especialização em Engenharia Econômica (1975), Mestrado em Hidráulica e Saneamento pela EESC- Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (1974), Doutorado pela Universidade de São Paulo, M.Sc. e Ph.D. em Engenharia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra (1979). Atualmente é Sócio e Membro do Conselho da Xingu Capital (associada ao First Capital), Membro do Conselho Superior de Gestão em Saúde do Estado de São Paulo, Membro do Conselho Consultivo do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Membro Conselho da PROPM, Membro do Conselho Consultivo da Boston Scientific Corporation – Brasil, e de outras instituições e organizações. Advisor e consultor do IDB – Inter American Development Bank em Washington para as áreas e projetos de sustentabilidade, energia e industrial (desde 1990) e das Nações Unidas. Certificação de Conselheiro de Administração pelo IBGC. Professor do Curso de MBA de Gerenciamento de Facilidades da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e também Professor do DIMEC- Grupo de Estudos Direito Internacional do Mercado de Capitais do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da USP- Universidade de São Paulo Faculdade de Direito. Este artigo consiste na atualização do Capítulo intitulado "Gestão de sustentabilidade e de responsabilidade social no Setor Empresarial" preparado pelo autor e parte do Livro "Brasil Competitivo – Desafios e estratégias para a indústria da transformação", publicado pela Deloitte em 2012.

IMPORTÂNCIA DA ÁGUA E SUAS PROPRIEDADES PARA A VIDA

Incluído em 17 Fev 2016
Conclui-se, portanto,que a água é imprescindível como recurso natural renovável, sendode suma importância para o desenvolvimento dos ecossistemas e vitalpara todos os seres vivos. A presença de poluentes na água alterasignificativamente suas propriedades e, por essa razão, afetam avida, comprometendo-a em muitos casos. Assim, os gestores dosrecursos hídricos devem estar atentos, garantindo a qualidade daágua a fim de se preservar a vida.
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Autores

  • Eleonora Cano Carmona
    Professora Adjunta de Bioquímica do Departamento de Bioquímica e Microbiologia, e do Programa de Pós-graduação em Microbiologia Aplicada, Instituto de Biociências de Rio Claro – IB/ UNESP.
  • Cárol Cabral Terrone
    Mestre em Ciências Biológicas (Microbiologia Aplicada) pelo Instituto de Biociências de Rio Claro – IB/ UNESP.
  • Juliana Montesino de Freitas Nascimento
    Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiróz" – ESALQ/ USP.
  • Dejanira Franceschi de Angelis
    Professora Adjunta de Microbiologia do Programa de Pós-graduação em Microbiologia Aplicada, Instituto de Biociências de Rio Claro – IB/ UNESP.

Importância da água para a vida e garantia de manutenção da sua qualidade.

Incluído em 17 Fev 2016
A água é o maiseficiente solvente do planeta, chamado de solvente universal. Estasua característica permite que ela se associe a substânciasdiversas, inclusive com aquelas que podem contaminá-la.
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Autores

  • Maria Aparecida Marin-Morales
    Professa Adjunta em Biologia celular e Mutagênese Ambiental do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro/SP. Departamento de Biologia
  • Matheus Mantuanelli Roberto
    Pos-graduando na área de Mutagênese ambienta junto ao Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro/SP. Departamento de Biologia e professor do Centro Universitário Hermínio Ometto - UNIARARAS/Araras- SP
  • Dejanira de Franceschi de Angelis
    Professa Adjunta em Microbiologia aplicada do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro/SP. Departamento de Bioquímica
  • Derlene Attili de Angelis
    Coleção Brasileira de Micro-organismos de Ambiente e Indústria -CBMAI/DRM. CPQBA/UNICAMP/Paulínia-SP.

Microrganismos também existem nas águas: por que precisamos conhecê-los?

Incluído em 17 Fev 2016
Este artigo objetivafazer com que a informação sobre a microbiologia da água constituaum suporte técnico-científico para encorajar o cidadão e osgestores hídricos a demonstrarem comprometimento com a qualidade daágua, e uma mudança positiva de comportamento frente aos cuidadoscom a sua própria saúde e o meio ambiente.
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Autores

  • Ayumi Otsuka
    Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil (2015). Assistente técnico em pesquisa BASF S.A.
  • Derlene Attili de Angelis
    Doutorado em Ciências Biológicas (Biologia Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil (1994). Pesquisadora e Curadora da Coleção Brasileira de Micro-organismos de Ambiente e Indústria – CBMAI/ DRM - Universidade Estadual de Campinas, Brasil
  • Marin Ap. Morales
    Doutorado em Ciências Biológicas (Biologia Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil (1992). Professora titular de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
  • Dejanira de Franceschi de Angelis
    Doutorado em Ciências pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, Brasil (1971). Professora Adjunta da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil.

MODIFICACIONES Y VICISITUDES DE LA PLANIFICACIÓN HIDROLÓGICA

Incluído em 15 Fev 2016
La planificación puededefinirse como un proceso de racionalización, referible a cualquiertipo de actuaciones, mediante el cual los poderes públicosidentifican los objetivos que pretenden conseguir en determinadoámbito y fijan los medios para su consecución. Se trata, por tanto,de establecer un programa de acción en el que se integren ycoordinen todas las actuaciones. Nuestra Constitución hacereferencia a la planificación en relación a la actividad económica(art. 131), pero no ha sido en esta materia, sino en la de laordenación de los recursos naturales donde esta técnica jurídica haalcanzado un mayor desarrollo.
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Autora

  • Blanca Lozano Cutanda
    Catedrática de Derecho Administrativo de la Universidad del País Vasco (UPV/EHU) - Profesora de Derecho Administrativo y Comunitario de CUNEF. Ponencia presentada en el seno del III Foro de Derecho de Aguas, clebrado en junio de 2014 en Las Palmas de Gran Canarias y publicado en la Colección "Derecho de Aguas" por el Consejo General del Poder Judicial y la Fundación Agbar.

O DIREITO HUMANO DE ACESSO À ÁGUA POTÁVEL E AO SANEAMENTO BÁSICO. ANÁLISE DA POSIÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Incluído em 15 Fev 2016
O Direito Humano deacesso à água potável e ao saneamento básico. Quadro normativointernacional. Princípios de direitos humanos consideradosespecialmente importantes para os direitos humanos à água e aosaneamento básico. A jurisprudência da Corte Interamericana deDireitos Humanos. Conclusões.
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Autora

  • Thalita Veronica Gonçalves e Silva
    Defensora Pública do Estado de São Paulo

Conflitos por Água no Brasil e a Defesa dos Comuns: uma leitura a partir da Ecologia Política e da experiência do Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde

Incluído em 3 Fev 2016
A partir da perspectivada Ecologia Política, o trabalho inicialmente discute a água comobem comum, os conflitos ambientais relacionados ao uso econtaminação, sua relação com o metabolismo social e os limites daeconomia ambiental neoclássica para enfrentar o problema. Emseguida são apresentados conflitos ambientais envolvendo água apartir do Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúdeno Brasil. Os casos foram classificados em sete tipos de conflitosque retratam, de forma abrangente, as diferentes formas como o temada água faz parte dos conflitos socioambientais no Brasil.
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Autores

  • Marcelo Firpo Porto
  • Philippe Seyfarth de Souza Porto

MARCO LEGAL DE LOS MERCADOS DE AGUA EN ESPAÑA.

Incluído em 28 Jan 2016
En el modernoordenamiento español de aguas la aparición del mercado de derechosde uso de agua tiene lugar tardíamente o, vista la situación desdeotra perspectiva temporal, muy recientemente1. Procede de la Ley46/1999, de 13 de diciembre, modificatoria de la Ley 29/1985, de 2de agosto, de Aguas, que es la Ley postconstitucional que comienzasu vigencia el 1 de enero de 1986, después de la más que centenariavigencia de la Ley de Aguas de 1879, con orígenes últimos en la Leyde Aguas de 1866, primer texto legal regulador de las aguas en elEstado constitucional español. Hoy en día, la ley vigente es elTexto Refundido de la Ley de Aguas (TRLA en adelante), aprobado porReal Decreto Legislativo 1/2001, de 20 de julio, texto refundido enel que se integran, entre otras, las dos Leyes que he nombrado yque ha tenido muchas modificaciones posteriores. La regulación delmercado de derechos de uso de agua se contiene en los arts. 67 yss. TRLA2 debiendo advertir que en ningún lugar de tal texto secontiene la expresión de "mercado" que aquí se utiliza, por tanto,de una forma descriptiva y no técnica en modo alguno.
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Autor

  • Antonio EMBID IRUJO
    Catedrático de Derecho Administrativo. Universidad de Zaragoza (España),(aembid@unizar.es. Este trabajo se enmarca dentro de las actividades del Grupo de Investigación AGUDEMA (Agua, Derecho y Medio Ambiente), integrado en el IUCA (Instituto de Ciencias Ambientales de Aragón) de la Universidad de Zaragoza y su realización ha sido apoyada por el Gobierno de Aragón/Fondo Social Europeo.

Acesso à Água Potável e ao Saneamento Básico como Direito Humano Fundamental no Brasil

Incluído em 20 Jan 2016
A Lei 9.433/97, aocriar um novo sistema de gerenciamento de recursos hídricos, deforma compartilhada e descentralizada, exige a integração da gestãodas águas com as demais políticas públicas ambientais e de saúdepública. Em síntese, para a efetiva implementação da PolíticaNacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, de formadescentralizada, participativa, integrada e compartilhada, seránecessário que o CNRH, no ápice do Sistema Nacional de RecursosHídricos em termos administrativos, efetivamente exerça e garanta adescentralização. É necessário ainda que a base do sistema, emnível de planejamento e execução da Política Nacional de RecursosHídricos, integrada pelo Comitê de Bacia Hidrográfica e pelaAgência de Água seja efetivamente paritária, de modo a que osinteresses da sociedade civil não sejam subjugados. Talrepresentatividade paritária e democrática, com o Poder Públicorestringindo-se a compor não mais que metade da composição doComitê deve ser observada, sendo passível de ser buscada essaparidade por meio de ação civil pública ajuizada pelo MinistérioPúblico ou outros legitimados na Lei 7347/85.
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Autora

  • Sandra Akemi Shimada Kishi
    Procuradora Regional da República, mestra em direito ambiental, Coordenadora do GT-Águas do Ministério Público Federal (2010-2014). Parte do texto integra o relatório apresentado à Federación Iberoamericana de Ombudsman (FIO) pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, em razão da douta indicação do Dr. Aurélio Veiga Rios, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão. Artigo no prelo da obra coletiva Temas Aprofundados do Ministério Público Federal, VITORELLI, Edilson (Org.), Salvador/BA-Brazil: Editora Juspodivm, 2014.

Water availability, water quality water governance: the future ahead

Incluído em 16 Dez 2015
Abstract The majorchallenge for achieving a sustainable future for water resourcesand water security is the integration of water availability, waterquality and water governance. Water is unevenly distributed onPlanet Earth and these disparities are cause of several economic,ecological and social differences in the societies of manycountries and regions. As a consequence of human misuse, growth ofurbanization and soil degradation, water quality is deterioratingcontinuously. Key components for the maintenance of water quantityand water quality are the vegetation cover of watersheds, reductionof the demand and new water governance that includes integratedmanagement, predictive evaluation of impacts, and ecosystemservices. Future research needs are discussed.
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Autores

  • JOSE GALIZIA TUNDISI
  • TAKAKO MATSUMURA-TUNDISI
  • VIRGINIA S. CIMINELLI
  • FRANCISCO A. BARBOSA
    doi:10.5194/piahs-366-75-2015. Hydrological Sciences and Water Security: Past, Present and Future(Proceedings of the 11th Kovacs Colloquium, Paris, France, June 2014). IAHS Publ. 366, 2015.

Notícias

Respeito às vítimas da tragédia provocada pela Samarco (Vale/BHP Billiton) é o mínimo que se pode exigir dos responsáveis!

Os danos ocasionados por essa catástrofe são incomensuráveis, afetando mais de um milhão de pessoas na bacia do Rio Doce.

O rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, resultou na maior tragédia ambiental do país, provocada por inaceitável falha no controle tecnológico da empresa. Os danos ocasionados por essa catástrofe são incomensuráveis, afetando mais de um milhão de pessoas na bacia do Rio Doce. O ecossistema e a biodiversidade foram profundamente impactados, ao longo dos cerca de 700 km de extensão da hidrografia regional, além do delta do Rio Doce e do oceano.

Diferentes prejuízos econômicos vêm fragilizando a economia regional, emprego e renda. São danos de grande intensidade, de longa duração, de difícil reversão, e um indiscutível crime ambiental sem precedentes no país.

No cerne dos enormes prejuízos socioambientais, são muitas as vítimas: trabalhadores da Samarco e de terceirizadas, agricultores familiares e camponeses, pescadores artesanais, faiscadores, comunidades tradicionais, o povo indígena Krenak, trabalhadores e artesãos envolvidos com o turismo regional, além dos consumidores da água comprometida ao longo da bacia. Cabe destacar, particularmente, as centenas de famílias que se viram obrigadas a abandonar suas moradias em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, Mariana-MG, e em Barra Longa-MG. Perderam seus laços culturais, sua noção de vizinhança, o pertencimento a uma história e a um ambiente que moldou seu modo de viver. Tiveram excluídos seus bens, trabalho, registros, documentos e as recordações acumuladas no curso de suas vidas. Passaram a viver em condições provisórias e precárias, a elas impostas, afastadas de seu ambiente sociocultural e das condições necessárias para a sua reprodução social. Subtraídas em sua autonomia, vivem há mais de dois meses o sofrimento social imputado pela dependência em relação a empresas e às instituições. Processos institucionais de negociação apresentam-se pouco eficazes em relação ao esclarecimento dos direitos e à reparação justa dos danos.

"A gente fica em quarto apertado e sem quintal. Ninguém aguenta mais. Estamos estressados e cansados. Queremos voltar para casa". Verbalizações como esta, expressa por moradores de habitações provisórias em reuniões entre empresas, Ministério Público e vítimas, sintetizam o drama vivido. É particularmente preocupante a situação das famílias atingidas em Volta da Capela, Barra Longa, em que, embora as famílias venham reivindicando seu reassentamento, a Samarco dispõe-se apenas a promover reformas nas moradias afetadas. Localizadas próximas ao rio, tais habitações podem estar expostas a novos riscos decorrentes da completa modificação da morfologia do rio após o desastre.

A postergação de encaminhamentos concretos e os anúncios de atividades paliativas têm acentuado o sofrimento das vítimas, conforme mostra o trecho a seguir: “Eu estou perdendo tempo aqui com vocês falando isso... a gente continua com a lama lá... Resolve o terreno. Se tiver que pagar indenização, paga.”

Neste momento, em que se anuncia a contratação pela Samarco de um projeto para a “nova Bento Rodrigues”, as entidades signatárias deste documento vêm a público chamar a atenção da sociedade brasileira e alertar tomadores de decisão de que esse processo requererá um tratamento muito cuidadoso, proporcional à delicadeza da situação. Julgamos que erros recorrentes, quando megaempreendimentos promovem o deslocamento de comunidades inteiras de forma equivocada, sem a devida atenção aos direitos, expectativas e necessidades dos atingidos, não podem definitivamente se repetir.

O processo de construção da nova localidade e de novas moradias deve, à frente de qualquer critério, levar em consideração, no mínimo, a equivalência das condições de vida em contextos socioambientais existentes anteriormente à tragédia. Atenção especial deve ser dada aos desejos e à percepção de seus futuros moradores. Desde a escolha da nova área, passando pelos projetos urbanístico e arquitetônico, até a própria construção, devem ser etapas realizadas com acompanhamento e consulta aos moradores. Faz-se essencial ainda que, integrada à reconstrução pós-desastre, seja promovida nova dinâmica de desenvolvimento econômico e social sustentável na região afetada.

Os signatários deste manifesto, ao tempo em que se solidarizam com a população atingida, defendem:

1- A localização do novo assentamento trará impactos fundamentais nos laços sociais, na mobilidade, nas atividades produtivas e no acesso à educação, à saúde, ao lazer, à cultura e demais necessidades socioeconômicas e culturais dos antigos moradores de Bento Rodrigues. Portanto, não deve ser definida de forma tecnicista e vertical, considerando apenas critérios de ordem física e econômica.

2- Os projetos urbanísticos e arquitetônicos não devem ser fruto de uma concepção de gabinete, que reflita apenas a visão da equipe técnica. Os equipamentos urbanos, a infraestrutura e a concepção arquitetônica devem garantir a preservação da qualidade de vida dos moradores. A qualidade construtiva, por sua vez, deve assegurar a perenidade da construção e da infraestrutura.

Tendo como referência acordos internacionais relacionados à redução de risco de desastres, dos quais o Brasil é signatário, a reconstrução da vida da população de Bento Rodrigues deve assegurar condições melhores e mais seguras que as originais e se integrar com nova dinâmica de desenvolvimento econômico e social sustentável em toda a região afetada.

3- O derramamento dos rejeitos comprometeu o abastecimento de água de localidades situadas a centenas de quilômetros de distância da barragem e provocou enorme perda de biodiversidade no Rio Doce, afetando a economia e modos de vida de populações ribeirinhas e do litoral. A lama de rejeitos acumulada no leito e margens dos cursos de água possui grande potencial tóxico e pode ser mobilizada por eventos pluviométricos, dragagens e os próprios trabalhos de recuperação das áreas soterradas. Nos próximos anos, novas plumas de contaminação podem alcançar estas localidades, inviabilizando a utilização do Rio Doce para consumo humano. Logo, atenção especial deve ser dedicada às populações atingidas ao longo dos cursos de água impactados.

4- Para todas essas situações, conclamamos para que espaços democráticos sejam criados, de modo que a população lesada tenha papel protagonista na tomada de decisões e no acompanhamento das atividades a serem realizadas. Particularmente, a “nova Bento Rodrigues” e demais reconstruções terão que ser produto da visão de seus moradores, que já foram severamente prejudicados pela maior tragédia socioambiental do Brasil. Até a completa reinstalação dos moradores, todas as pessoas precisam ter seus direitos fundamentais respeitados.

5- A gestão de todas as medidas pós-desastre necessárias requererá investimentos, a serem necessariamente custeados pelas empresas responsáveis pela tragédia, e eficaz e eficiente arranjo institucional. Será imprescindível que o protagonismo deste processo seja do Estado, envolvendo os governos federal e dos estados e municípios atingidos, e não de quaisquer agentes privados. Transparência e controle social são valores inegociáveis nesta gestão.

1º de fevereiro de 2016

Assinam:

Associação Brasileira de Agroecologia (ABA – Agroecologia)

Associação Brasileira de Antropologia (ABA – Antropologia)

Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABMC)

Associação Brasileira de Engenheria Sanitaria e Ambiental (ABES)

Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP)

Associação Brasileira de Limnologia - (ABLimno)

Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC)

Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)

Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (ANPPAS)

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS)

Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR)

Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE)

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)

Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental (FNSA)

Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB)

Movimento Pela Soberania Popular Na Mineração (MAM)

Projeto Manuelzão UFMG

Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares

Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO)

A Presunção Ambiental e a Ecotoxicologia Aquática

A presunção de que a qualidade da água para humanos corresponde àquela para organismos aquáticos pode ser facilmente contestada com base em um dos fundamentos da Ecologia, o conceito de nicho ecológico.

I – Introdução

Os registros históricos demonstram que há 40 séculos o homem tem tomado medidas para obter água apropriada para os vários usos cotidianos. Naturalmente, ao longo do tempo, as condições desejáveis de qualidade da água têm sido estabelecidas com ênfase para o uso destinado ao consumo humano (potabilidade), o qual julgamos mais importante devido à preocupação em preservar a nossa espécie. No entanto, essa preocupação tem induzido a interpretações errôneas, a tal ponto de muitos considerarem que a qualidade da água apropriada para o consumo humano é, também, adequada para outro uso determinado. Mais especificamente, é comum que leigos, e até especialistas, julguem que a qualidade exigida para consumo humano seja a mesma necessária para proteção de organismos aquáticos.

A presunção de que a qualidade da água para humanos corresponde àquela para organismos aquáticos pode ser facilmente contestada com base em um dos fundamentos da Ecologia, o conceito de nicho ecológico. Esse conceito é expresso como “o espaço físico ocupado por um organismo, incluindo o papel funcional desse organismo na comunidade e sua posição em gradientes ambientais que lhe dão condições de existência”. Assim, pelo fato do homem não pertencer a um nicho ecológico característico do ambiente aquático, pode-se afirmar que é impossível admitir que a percepção e requisitos humanos sejam os indicadores apropriados para avaliar a qualidade dos recursos hídricos como um todo.

Para provocar uma reflexão mais profunda sobre o assunto cabem as seguintes perguntas sobre a avaliação da qualidade do compartimento aquático:

a) As alterações da qualidade das águas naturais podem ser detectadas pela percepção e o ressentimento humanos, considerando que o homem não vive mergulhado nesse meio?
b) As alterações da qualidade das águas naturais podem ser detectadas pelo homem, visto que cada indivíduo de sua população consome diariamente, no máximo, ao redor de dois litros de água (normalmente tratada por sistemas de abastecimento público)?
c) A observação visual da presença de garrafas plásticas em um recurso hídrico é um indicador de alteração da qualidade das águas naturais? Ou simplesmente a constatação de falta de educação humana no descarte adequado de resíduos no ambiente?
Tendo em mente os aspectos apresentados até agora, a resposta a essas perguntas é única e evidente, exceto para a última.

Essas argumentações permitem reconhecer que os ambientes aquáticos são para o homem, primordialmente, apenas recursos naturais a serem utilizados com a finalidade de permitir a dessedentação, a higiene, a alimentação, a irrigação agro-pastoril, a industrialização e o descarte de esgotos. Diante disso, é razoável concluir que a percepção humana está distante de compreender que o equilíbrio natural dos ecossistemas aquáticos vai além da qualidade de água necessária para o seu uso cotidiano. Portanto, é necessário reconhecer que o homem se limita, no termo mais nobre, ao estabelecimento de condições de qualidade da água (expressa nos padrões de potabilidade) necessária para a finalidade exclusiva de sua dessedentação que sabidamente não ocorre dentro dos recursos hídricos.

Em outras palavras, deve-se considerar que o homem é o indicador de qualidade restrito a determinados compartimentos ambientais, tal como o solo e o ar. Esse atributo humano é de certa forma natural, pois o homem sente-se atingido pelos efeitos adversos que afetam os seus sentidos (a visão, o olfato, o tato e a audição) ou aqueles que ameaçam o seu bem estar físico. Nesse sentido, pode-se depreender que os seres humanos percebem os desequilíbrios ambientais onde vive e, dependendo do compartimento onde ocorrem os desequilíbrios, ressentem-se e expressam suas preocupações por meio de exigências de recuperação dos ambientes negativamente alterados. Nada mais justo, pois o homem, naturalmente, se dá conta de que tratando-se do seu próprio ambiente alguma alteração na qualidade pode resultar, em algum momento futuro, em uma alteração da qualidade da sua própria vida, seja quanto à estética paisagística, quanto à ameaça de perda de propriedades ou quanto ao perigo à sua saúde.

Assim, da mesma forma que o homem detecta, com maior propriedade, a qualidade dos ecossistemas terrestres, também deve reconhecer nos organismos aquáticos aqueles que melhor respondem pela qualidade dos ecossistemas aos quais pertencem. Nada mais lógico em aceitar essa condição visto que os organismos aquáticos absorvem ininterruptamente as águas naturais para a sua sobrevivência e reprodução, o que significa a exposição contínua às alterações positivas ou negativas do meio aquático, fato não vivenciado pelo homem que consome a água ocasionalmente como já mencionado. Ao persistir a visão antropocêntrica de indicador ambiental, e caso não haja o reconhecimento da propriedade dos organismos aquáticos como indicadores ambientais, então podemos admitir que não haveria impedimentos em colocar um aquário com peixes em uma avenida com tráfego intenso e confiar que esses peixes estivessem indicando as alterações na qualidade do ar que podem afetar os seres humanos. Em suma, é impossível avaliar aspectos relativos ao equilíbrio de ambientes aquáticos (incluindo a proteção e a preservação de comunidades aquáticas, além da biodiversidade) caso não sejam utilizados os próprios organismos desse meio para averiguar os desequilíbrios químicos que ocorrem devido às atividades humanas. Nos itens seguintes desse artigo são apresentadas algumas características dos instrumentos de reconhecida valia ambiental para indicar a qualidade do meio hídrico.

II - Os padrões de qualidade das águas e a realidade ambiental

No Brasil, a suposição equivocada de que as condições de qualidade de água para humanos corresponde àquela para a preservação da vida aquática foi legalmente admitida, no ano de 1976, com a publicação da Portaria GM-0013 no âmbito federal. Nessa Portaria foram estabelecidos os primeiros padrões (limites aceitáveis) com a finalidade de assegurar a qualidade para todos os usos das águas doces, porém deve-se destacar que esses padrões somente abrangeram aqueles apropriados para o uso humano (potabilidade) e não aqueles necessários para a preservação da vida aquática. Entretanto, hoje em dia, desde a publicação da Resolução CONAMA n.º 20/1986, os padrões contemplam ambos os usos mencionados, especialmente o de proteção de comunidades aquáticas. Portanto, é notório que as comunidades de organismos aquáticos permaneceram, por um lapso de 10 anos, tão desprotegidas como no passado mais distante. Ainda, vale mencionar que a maioria dos padrões atuais de qualidade das águas são baseados nos efeitos adversos dos poluentes sobre os organismos aquáticos. Assim, ao contrário do que é normalmente pressuposto, os atuais limites permissíveis das substâncias protegem o homem de modo indireto, visto que os organismos aquáticos são mais sensíveis às condições de exposição (especialmente a duração) aos agentes químicos no meio líquido.

A essa altura poder-se-ia supor que uma vez atendidos os padrões de qualidade de água para proteção da vida aquática, verificados por monitoramentos obrigatórios, as impropriedades históricas estariam superadas. No entanto, ainda permanecem incertezas quando consideramos a existência dos processos naturais que transformam os agentes químicos no meio aquático. Por exemplo, é sabido que os agentes químicos podem interagir entre si e provocar, nos organismos aquáticos, efeitos adversos diferentes e até mais intensos do que um agente isolado. Por outro lado, as reações físicas e químicas naturais podem tornar não biodisponíveis os poluentes que se encontram em elevada concentração na água. Ainda, é necessário ter em mente que a atual legislação pertinente (Resolução CONAMA 357/2005) estabelece padrões (ou limites) somente para 86 substâncias, porém ao redor de 70.000 agentes químicos são usados cotidianamente nas diversas atividades humanas, sendo que grande parte desses agentes tem como destino final as águas naturais onde interagem com outras tantas substâncias, legisladas, ou não. A condição em que ocorre a interação das substâncias pode ser exemplificada por um único rio que, ao longo de seu percurso, recebe diversos agentes químicos oriundos de fontes como esgotos domésticos, despejos industriais, e também águas percoladas de solos onde são utilizados agrotóxicos, entre outros. Essa condição pode ser considerada corriqueira, uma vez que a ocupação humana do solo é bastante intensa nas proximidades de recursos hídricos.

Portanto, torna-se claro que os instrumentos mais tradicionais na caracterização da qualidade das águas, isto é, a legislação e as análises químicas recomendadas, não garantem per si a devida proteção das comunidades de organismos aquáticos. Deve-se reconhecer que esses instrumentos são válidos no contexto genérico, mas ao mesmo tempo é fundamental entender que possuem limitações para detectar os efeitos adversos interativos das substâncias presentes, bem como o efeito tóxico de agentes químicos não legislados. Diversos artigos da literatura científica brasileira, especializada nesse assunto, fornecem suporte para essas afirmações.

III - Os princípios e instrumentos da Ecotoxicologia aquática

Em termos simples, a Ecotoxicologia é a ciência que lida com os efeitos tóxicos de agentes químicos e físicos sobre os organismos de ecossistemas naturais. Existem diversos métodos ecotoxicológicos, para utilização em diversas situações, mas ao se tratar de estudos com organismos aquático, com vistas à avaliação da qualidade das águas, é conveniente mencionar duas abordagens técnicas que normalmente são utilizadas para indicar o efeito adverso de agentes químicos.

Uma dessas técnicas refere-se aos levantamentos de populações ou comunidades aquáticas, que se realiza por meio de coletas de organismos nos ambientes naturais, sendo que os resultados são expressos, por exemplo, em termos dos índices biológicos. Entretanto, alguns aspectos merecem ressalvas no uso dos índices biológicos. Um deles é o fato de exigir a amostragem laboriosa dos organismos, além da especialização técnica necessária tanto para a obtenção como para a interpretação de seus resultados. Outro aspecto é a necessidade de ambientes sem ou com pouca perturbação, para servir como referência positiva, sendo essa condição rara de ser encontrada nos dias de hoje. O mais importante é atentar que embora os índices biológicos possam servir, com fidelidade, à detecção dos distúrbios causados longo do tempo, é difícil se estabelecer de imediato as relações de causa-efeito uma vez que em ambientes naturais, invariavelmente, os agentes químicos apresentam oscilações temporais tanto qualitativas como quantitativas. Considerando esses aspectos torna-se demasiadamente complexa e demorada a tarefa de rastrear as possíveis substâncias nocivas e localizar as suas fontes, de maneira a reduzir ou eliminar, de imediato, a exposição dos organismos aquáticos. Assim, os indicadores biológicos possuem restrições para o monitoramento de agentes químicos, porém são os mais recomendados para estudos que objetivam verificar os efeitos adversos provocados por alterações físicas no ambiente (tal como o barrageamento de corpos d’água) ou por alterações químicas ocasionadas por fontes singulares.

A outra abordagem técnica empregada, para avaliar os efeitos das substâncias presentes nas águas, diz respeito aos ensaios efetuados em laboratório. Nessa abordagem prevalecem os ensaios ecotoxicológicos, que consistem da exposição de organismos representativos do ambiente (peixes, microcrustáceos ou algas) em águas coletadas em ambientes naturais ou fontes emissoras de poluentes. Após essa exposição é mensurada a intensidade de alguns eventos biológicos (mortalidade, reprodução, entre outros) que indicam a presença, ou não, de agentes químicos em quantidades tóxicas. Outra conveniência dos ensaios ecotoxicológicos incide no uso de organismos aquáticos cultivados em laboratório (sem exposição prévia aos poluentes), bem como a possibilidade de controlar as condições experimentais de modo a destacar o possível causador dos efeitos tóxicos. Embora os ensaios ecotoxicológicos sejam efetuados em laboratório vários estudos, nacionais e internacionais, já demonstraram que seus resultados são fidedignos dos efeitos que os agentes químicos causam nos ecossistemas aquáticos naturais.

Portanto, os eventos biológicos medidos nesses ensaios permitem detectar a ocorrência de efeitos tóxicos causados pela interação (antagônica, sinérgica, ou aditiva) entre as substâncias presentes em uma amostra de água ou efluente, bem como daquelas inesperadas nesses meios. Torna-se importante mencionar que essas interações não são previsíveis com base nas análises químicas convencionais. Por tal motivo hoje é reconhecido que somente os ensaios ecotoxicológicos possuem a peculiaridade de caracterizar as águas naturais, e os efluentes líquidos, de forma mais abrangente, englobando os efeitos de todos os seus constituintes químicos, principalmente pelo fato de acusar a biodisponibilidade e a interação dos poluentes em uma determinada amostra ambiental. Devido às características técnicas mencionadas os ensaios ecotoxicológicos têm sido utilizados preferencialmente, ao redor do mundo, para a avaliação da qualidade de águas naturais, de sedimentos e de efluentes líquidos para organismos aquáticos.

Obviamente os ensaios ecotoxicológicos possuem outras características técnicas que são pertinentes àqueles que executam tais ensaios em ambientes de laboratório. Por tal motivo existem várias normas técnicas padronizadas nacionalmente, as quais são específicas para cada uma das situações em que são empregados esses ensaios. Tais normas técnicas são elaboradas, desde 1988, junto a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), onde especialistas discutem procedimentos e, por consenso, emitem normas de ensaio que podem ser reproduzidas em qualquer estado brasileiro, com a garantia de qualidade necessária.

IV - A estrutura de suporte técnico dos ensaios ecotoxicológicos

Além do o conhecimento dos princípios técnicos do ensaio ecotoxicológico, bem como de sua conveniência, torna-se importante conhecer das condições brasileiras que lhe dão suporte técnico. A utilização dos ensaios ecotoxicológicos, efetuados de modo rotineiro no Brasil, iniciou-se no fim dos anos 1970. Desde então, vários pesquisadores brasileiros buscaram a troca de informações com cientistas canadenses, norte-americanos, franceses e alemães, propiciando a formação sólida hoje disponível na área da Ecotoxicologia aquática. Nesse sentido, cerca de 20 universidades brasileiras possuem cursos regulares para o ensino e desenvolvimento de pesquisas sobre esse assunto, gerando conhecimentos suplementares sobre a qualidade das águas marinhas e doces, em termos ecotoxicológicos.

Além das universidades, órgãos ambientais de alguns estados (como R.G. do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Pernambuco) também desenvolvem estudos e monitoramentos ecotoxicológicos, e ainda fornecem treinamentos e orientações voltadas à solução de problemas regionais dessa natureza. Ao mesmo tempo, torna-se importante ressaltar que o aprimoramento técnico também ocorre por meio de eventos programados, tal como as onze edições do Congresso Brasileiro de Ecotoxicologia, onde os especialistas e estudantes universitários brasileiros tem a possibilidade de discutir assuntos técnicos e políticos que envolvem o uso dos ensaios ecotoxicológicos no contexto nacional.

O número de laboratórios disponíveis para a realização dos ensaios ecotoxicológicos foi crítico no passado. No entanto, hoje em dia, cerca de 30 laboratórios estão implantados em onze estados brasileiros, sendo que esse número abrange os laboratórios de universidades, órgãos ambientais e empresas privadas. Desse modo, a estrutura laboratorial é suficiente para atender a demanda analítica requerida tanto para as pesquisas científicas bem como para a prestação de serviços. O aspecto que merece ressalva é a utilização de sistemas de garantia da qualidade em vários laboratórios, fato que dá maior credibilidade analítica além de atender às exigências que constam nas atuais peças legais promulgadas pelo CONAMA.

V - O suporte legal para o uso dos ensaios ecotoxicológicos

A utilização dos ensaios ecotoxicológicos em ambientes aquáticos há muito tempo ocorre em outros países como Estados Unidos, Canadá, França e Alemanha, sendo devidamente acompanhada de suporte legal. No Brasil, embora a Resolução CONAMA 20/1986 já permitisse de forma implícita o uso desses ensaios, somente a partir da Resolução CONAMA 357/2005 esses ensaios passaram a ser mencionados de forma direta e explícita. Do mesmo modo, outras Resoluções nacionais são bastante claras quanto ao uso dos ensaios ecotoxicológicos, como a CONAMA 344/2004, a 393/2007 e a 430/2011, como será demonstrado adiante. O aspecto que merece destaque, sem dúvida, é que a clareza de inserção nas peças legais foi motivada pelo reconhecimento da pertinência do assunto, ao longo do tempo, por parte de técnicos brasileiros com diferentes formações acadêmicas e que atuam na proteção dos recursos hídricos. A seguir, o suporte legal dos ensaios ecotoxicológicos será demonstrado de acordo com o contexto que se insere.

V.1 – Qualidade das águas superficiais

Para demonstrar as inserções mencionadas, pode-se inicar com o Artigo 2º da Resolução CONAMA 357/2005, onde está definido que ensaios ecotoxicológicos “são aqueles realizados para determinar o efeito deletério de agentes físicos ou químicos a diversos organismos aquáticos”. No Artigo 2º constam ainda outras definições que se referem aos resultados analíticos desses ensaios, isto é, aos efeitos tóxicos agudo e crônico. A síntese do descrito na Resolução esclarece que enquanto o efeito tóxico agudo se refere ao efeito deletério que se manifesta em organismos vivos em curto período de exposição, o efeito tóxico crônico se manifesta com a mesma característica em período prolongado. Quanto aos efeitos deletérios, o § único do Artigo 7 postula que “Eventuais interações entre substâncias, especificadas ou não nesta Resolução, não poderão conferir às águas características capazes de causar efeitos letais ou alteração de comportamento, reprodução ou fisiologia da vida, ...”, sendo importante mencionar que tais efeitos são aqueles usualmente utilizados nas análises ecotoxicológicas. Além desses, outro texto é ainda mais explícito quanto ao aspecto analítico, como apresentado no Artigo 8º, § 4º da Resolução CONAMA 357/2005, que diz: “As possíveis interações entre as substâncias e a presença de contaminantes não listados nesta Resolução, passíveis de causar danos aos seres vivos, deverão ser investigadas utilizando-se ensaios ecotoxicológicos, toxicológicos, ou outros métodos cientificamente reconhecidos”. Desse modo, é possível notar que a função primordial dos ensaios ecotoxicológicos está contemplada na Resolução 357, fato que atende à preocupação apontada no item II do presente artigo.

No que se refere às condições de qualidade das águas, doces e marinhas, vários artigos da Resolução CONAMA 357/2005 mencionam a utilização obrigatória dos ensaios ecotoxicológicos, independente das análises físicas e químicas. Assim, nas alíneas a, inciso I, dos Artigos 14, 16, 18, 19, 21 e 22 consta o seguinte texto básico: “Não verificação de efeito tóxico crônico/agudo a organismos, de acordo com os critérios estabelecidos pelo órgão ambiental competente, ou, na sua ausência, por instituições nacionais ou internacionais renomadas, comprovado pela realização de ensaio ecotoxicológico padronizado ou outro método cientificamente reconhecido”. Nesse texto, o efeito tóxico crônico corresponde às águas superficiais de classe 1 e 2 (doces) e classe 1 (salinas ou salobras), enquanto o efeito agudo diz respeito às águas superficiais de classe 3 (doces) e classe 2 (salinas ou salobras). Torna-se oportuno mencionar que para corpos d’água onde não está prevista a proteção das comunidades aquáticas (isto é, classe 4 de água doce e classe 3 de água salina ou salobra) não há qualquer exigência quanto à ocorrência de efeitos tóxicos, visto que esses recursos hídricos já se encontram em condições precárias. Outro aspecto a ser destacado é que a maioria das águas superficiais brasileiras está legalmente enquadrada nas classes que contemplam a proteção das comunidades aquáticas (conforme Artigo 42 da Resolução CONAMA 357/2005) e, portanto, requerem o uso dos ensaios ecotoxicológicos para monitoramento de sua qualidade.

V.2 – Qualidade dos efluentes líquidos

O controle da qualidade de efluentes líquidos é uma medida preventiva à proteção dos recursos hídricos, e assim também foi tratada na Resolução CONAMA 357/2005. No entanto, recentemente, houve uma alteração/complementação sobre o assunto que ocasionou na promulgação da Resolução CONAMA 430/2011 no que se refere a condições e padrões de lançamento de efluentes líquidos. Nessa última Resolução, o controle ecotoxicológico de efluentes está mencionado no Artigo 18, com os seguintes dizeres: “O efluente não deverá causar ou possuir potencial para causar efeitos tóxicos aos organismos aquáticos no corpo receptor, de acordo com os critérios de ecotoxicidade estabelecidos pelo órgão ambiental competente.” Ainda, no §1º desse Artigo 18, consta que “Os critérios de ecotoxicidade previstos no caput desse artigo devem se basear em resultados de ensaios ecotoxicológicos aceitos pelo órgão ambiental, realizados no efluente, utilizando organismos aquáticos de pelo menos dois níveis tróficos diferentes”. Portanto, no Artigo 18 da Resolução 430/2011 encontram-se todas as condicionantes para que os estados brasileiros, que não possuíam critérios ecotoxicológicos até então, possam avaliar a qualidade dos efluentes.

Alguns estados brasileiros possuem regulamento legal específico para o controle ecotoxicológico de efluentes líquidos, os quais foram publicados antes das Resoluções CONAMA 357/2005 e 430/2011. No estado de São Paulo o controle ecotoxicológico de efluentes líquidos é estabelecido pela Resolução SMA-03/2000, enquanto outras legislações são adotadas no Rio Grande do Sul (Resolução CONSEMA 129/2006), Santa Catarina (Portaria FATMA 017/2002), Paraná (Portaria IAP 19/2006), Rio de Janeiro (Norma Técnica 213/1990) e Minas Gerais (Deliberação COPAM-CERH 01/2008).

V.3 – Qualidade dos sedimentos

No Brasil, o único documento legal que se refere à contaminação de sedimentos é a Resolução CONAMA 344/2004. Na realidade, tal Resolução foi elaborada para estabelecer diretrizes gerais e procedimentos para a avaliação de material a ser dragado, visando o gerenciamento da disposição desse material em águas jurisdicionais brasileiras. No entanto, na ausência de um instrumento legal específico que estabeleça a qualidade aceitável dos sedimentos, os padrões de qualidade estabelecidos na Resolução CONAMA 344/2004 são apropriados para esse fim. Nessa Resolução a necessidade de utilização dos ensaios ecotoxicológicos está claramente apontada no inciso III do Artigo 7, que segue: “o material cuja concentração me mercúrio, cádmio, chumbo ou arsênio, ou de PAHs do grupo A, estiver entre os níveis 1 e 2, ou se a somatória das concentrações de todos os PAHs estiver acima do valor correspondente à soma de PAHs, deverá ser submetido a ensaios ecotoxicológicos...”. No anexo da Resolução CONAMA 344/2004 também há a seguinte menção: “A caracterização ecotoxicológica deve ser realizada em complementação à caracterização física e química, com a finalidade de avaliar os impactos potenciais à vida aquática, no local proposto para a disposição do material dragado”. Assim, é possível notar que os ensaios ecotoxicológicos, além de execução obrigatória no local de disposição do material dragado (sedimento), são utilizados como complemento na tomada de decisão sobre a qualidade e destinação desses sedimentos.

V.4 – Qualidade das águas em plataformas marítimas de petróleo

Em complementação ao § 4º do Artigo 43 da Resolução CONAMA 357 foi elaborada e publicada a Resolução CONAMA 393/2007, que dispõe sobre o descarte contínuo de água de processo ou de produção em plataformas marítimas de petróleo e gás natural. Nessa Resolução, o artigo 10 menciona que “as empresas operadoras de plataformas realizarão monitoramento semestral da água produzida a ser descartada das plataformas, para fins de identificação da presença e concentração dos seguintes parâmetros...IV – toxicidade crônica da água produzida determinada através de método ecotoxicológico padronizado com organismos marinhos;...”. Esse texto, e a análise do restante da Resolução CONAMA 393/2007, permite constatar que entre os parâmetros de monitoramento somente o ensaio ecotoxicológico possue o cunho biológico requerido para avaliar, de modo abrangente, a qualidade das águas oceânicas ao redor das plataformas.

V - A qualidade das águas no Brasil, sob o ponto de vista ecotoxicológico

Embora exista um suporte legal para o uso dos ensaios ecotoxicológicos em ambientes aquáticos, como foi demonstrado, as informações disponíveis na literatura especializada brasileira (que inclui relatórios, revistas científicas e estudos acadêmicos) causam preocupação quando se constata que, em várias oportunidades, os ensaios ecotoxicológicos acusam efeitos tóxicos indesejáveis mesmo quando as análises químicas demonstram o atendimento aos limites estabelecidos para diversos poluentes nas águas. Além dessa constatação, também é preocupante a frequência reduzida de utilização desses ensaios, nos recursos hídricos, por parte dos órgãos ambientais.
Nesse contexto a Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia efetuou, no ano de 2011, um levantamento dos monitoramentos ecotoxicológicos, em águas doces, realizados pelos órgãos ambientais das unidades federativas brasileiras, conforme preconizado nos artigos 8º e 9º da Resolução CONAMA 357/2005. Oportuno relembrar que esses monitoramentos se justificam para a observação das condições de qualidade de água que garantam a “não verificação de efeitos tóxicos a organismos”, conforme os artigos 14º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º da Resolução CONAMA 357/2005. Como resultado do levantamento mencionado, efetuado com as informações dos sítios eletrônicos dos órgãos ambientais estaduais, bem como em entrevistas com os respectivos técnicos envolvidos, constatou-se que somente quatro estados brasileiros (Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco) realizam os monitoramentos ecotoxicológicos requeridos legalmente.

Partindo destas informações verifica-se que apenas cerca de 15% dos estados da federação cumprem o disposto na Resolução CONAMA 357/2005, permanecendo à parte dessa obrigação os demais estados, que inclui aqueles que possuem reconhecido desenvolvimento industrial e agrícola como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que nos estados retro-mencionados já foram registrados (em literatura técnica ou apresentações em congressos) efeitos tóxicos em águas superficiais. Desse modo, a ausência de informações tornadas públicas sobre o monitoramento ecotoxicológico das águas superficiais, na maioria dos estados, sugere que este monitoramento não está sendo efetuado, o que implica em evidente descumprimento legal.

Também é importante mencionar que os quatro estados que realizam e disponibilizam informações sobre o monitoramento ecotoxicológico de águas superficiais (Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco) apresentam informações recorrentes de efeitos tóxicos em diversos pontos amostrais de vários rios. Essa constatação indica que há necessidade de que providências sejam tomadas pelos órgãos ambientais para o solucionamento dessas não conformidades legais. Entre as providências possíveis pode-se citar a verificação de enquadramento das fontes pontuais como os efluentes líquidos despejados nos rios (em cumprimento do artigo 18º da Resolução CONAMA 430/2011), visto que a adequação dassas fontes de ecotoxicidade pode auxiliar sobremaneira na conformidade da qualidade das águas durante os monitoramentos ecotoxicológicos dos corpos receptores destes efluentes.

O controle ecotoxicológico de efluentes líquidos é, sem dúvida, a maneira preventiva para evitar efeitos tóxicos nos recursos hídricos. No entanto, nos órgãos ambientais, as informações sobre esse tipo de controle não são disponibilizadas em sítios eletrônicos ou relatórios, talvez devido ao tempo indefinido para ajuste das não conformidades encontradas em cada efluente ou, talvez, devido à ausência de um levantamento dos efluentes que estão sujeitos ao controle ecotoxicológico. As informações disponíveis consistem de estudos publicados na literatura científica (periódicos e anais de congressos), onde é possível constatar o potencial dos efluentes em causar efeitos tóxicos nas águas receptoras de vários estados. Apesar da inexistência de informações atualizadas é possível afirmar, indiretamente, que os efluentes líquidos ainda causam efeitos tóxicos indesejáveis, visto que vários rios receptores tem apresentado efeitos tóxicos recorrentes conforme mencionado no texto do parágrafo anterior. Portanto, embora requerido pela Resolução CONAMA 430/2011, não há evidências de que o controle ecotoxicológico de efluentes esteja sendo cumprido, mesmo nos estados onde sua regulamentação é anterior à Resolução federal mencionada.

De modo semelhante que os efluentes líquidos, as informações sobre a utilização dos ensaios ecotoxicológicos com sedimentos (conforme a Resolução CONAMA 344/2004), bem como sobre o uso desses ensaios em plataformas marítimas (conforme a Resolução CONAMA 383/2007), não estão acessíveis em sítios eletrônicos dos órgãos ambientais. No caso dos sedimentos, existem alguns artigos publicados em seminários específicos sobre o assunto, sendo que tais publicações demonstram que em poucos estados (R. G. do Sul, Paraná, São Paulo e Espírito Santo) foram efetuados, direta ou indiretamente, diagnósticos ecotoxicológicos em regiões portuárias. Merece menção, a título de informação, o ocorrido no monitoramento das operações de disposição de sedimento dragado do porto de Santos/SP, quando somente os ensaios ecotoxicológicos demonstraram um impacto negativo mensurável na região enquanto as análises químicas não permitiram tal verificação. Como consequência, os volumes de sedimentos dispostos foram limitados para quantidades que não causassem distúrbios significativos à biota na região oceânica.

VI – Considerações finais

A industrialização e o aproveitamento diversificado das atividades agro-pastoris colocam o Brasil em lugar de destaque no contexto mundial. A consequência dessa realidade é o aporte expressivo de agentes químicos nos recursos hídricos brasileiros, fato que induz a utilização de técnicas analíticas pertinentes para avaliar os efeitos adversos desses poluentes à vida aquática. Entre essas técnicas encontram-se os ensaios ecotoxicológicos que, embora requeridos em legislações nacionais, ainda é precariamente utilizado na caracterização da qualidade das águas, sedimentos e efluentes líquidos.

Os aspectos abordados no presente artigo, aparentemente, são desconhecidos em vários órgãos ambientais brasileiros, visto que em suas ações raramente são exigidos ou empregados os ensaios ecotoxicológicos. Portanto, é premente que os vários atores ambientais, atuantes em áreas diversas, demandem dessas entidades públicas a utilização dos ensaios ecotoxicológicos com a finalidade de, efetivamente, proteger e preservar a vida nos recursos hídricos brasileiros. Hoje, felizmente, há uma consciência coletiva sobre a importância da biodiversidade, no entanto, como demonstrado, para garanti-la deve prevalecer o bom senso de sempre se utilizar as análises ecotoxicológicas apropriadas, particularmente nos ambientes aquáticos. Enfim, estamos diante da oportunidade de fazermos algumas teorias se tornarem práticas.

Autor: Biol. Eduardo Bertoletti, Doutor em Saúde Pública/USP, membro da Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia.

Artigo publicado na Revista das Águas (número 12, novembro/2012), editada pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

Disponível em http://revistadasaguas.pgr.mpf.gov.br/edicoes-da-revista/edicao-atual/materias/presuncao-ambiental

Seria triste, não fosse ilegal e trágico: breves reflexões acerca da transposição ilegal e inconsequente das águas.

Historicamente, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), ou seja, o GB-Alto Tietê, praticamente nada fez em prol do que poderia vir a ocorrer no futuro.

Inaugurado na década de 70 sob a égide do Código de Águas, o Sistema Cantareira constituiu-se originariamente em concessão federal de águas com o objetivo primordial de contribuir para o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo-RMSP, hoje denominado de Grupo de Bacias dos Rios do Alto Tietê – GB-Alto Tietê (6ª UGRHI). Uma vez que não poderia deixar de fazê-lo, previa-se ainda continuar garantindo água a todos os Municípios a jusante do sistema, ou seja, para onde as águas naturalmente deveriam correr; o hoje também denominado de Grupo de Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – GB-PCJ (5ª UGRHI).

O poder concedente do sistema, à época, era o Ministério das Minas e Energia, mediante o extinto DNAEE. Como poder concessionário, tinha-se o Governo do Estado de São Paulo, através da sociedade de economia mista estadual, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

O Código de Águas (Decreto nº 24.643 /34) era a norma legal de caráter geral que regia tal concessão, conforme inicialmente mencionado. Em regra, o Código de Águas entendia a água eminentemente do ponto de vista do domínio do bem. Não obstante, seu artigo 45 dispunha sobre a obrigatoriedade legal de que em toda a concessão de águas fossem resguardados os direitos de terceiros.

Vale dizer, a despeito de não se entender à época a água como um recurso hídrico, finito e de domínio exclusivamente público, quando de sua concessão deveriam obrigatoriamente ser resguardados os direitos das municipalidades a jusante do sistema (hoje, GB-PCJ).

No caso em testilha, uma das medidas destinadas ao cumprimento do artigo 45 do Código de Águas para a concessão de águas do Sistema Cantareira para a Sabesp foi a expedição do Ofício PRE Sabesp nº 1767 /78. Referido ofício – o que, em tempo, curiosamente nem o poder concedente tampouco o poder concessionário hoje sabe dizer aonde se encontra tal documento – garantia expressamente o compromisso de se ter a vazão mínima de 40 metros cúbicos por segundo no último Município a jusante; ou seja, no Município de Piracicaba.

Fato é, contudo, que nos 40 anos em que transcorreu a concessão originária do direito de retirada das águas através do Sistema Cantareira não foram devidamente resguardados os direitos dos terceiros prejudicados. O resguardo legal destes direitos, i.e., o direito de todas as municipalidades a jusante do sistema foi, e, lamentável e ilegalmente, ainda o é completamente desprezado. A retribuição à salvaguarda do direito de derivação das águas pela referida concessão foi e é ridiculamente irrisória, face às necessidades.

De acordo com as normas infralegais correlacionadas às subsequentes outorgas do direito de uso originário das águas que alimentam o Sistema Cantareira, é possível verificar que ainda se labora contra legis. As vazões primária (v.g., abastecimento público) e secundária (v.g., usos industriais e agrícolas) destinadas às Bacias do PCJ são extremamente baixas, quando comparadas às vazões destinadas à Região Metropolitana de São Paulo. Ou seja, vazão destinada a um outro grupo de bacias hidrográficas que não aquela de onde provém a água.

Por claro e evidente, todos os governos que se sucederam à concessão originária sabiam, ou, no mínimo, deveriam saber, que, tanto a população do GB-Alto Tietê quanto a do GB-PCJ iriam crescer. E, consequentemente, as municipalidades iriam se desenvolver. Em outras palavras, os governos de todos esses anos deveriam ter tomado todas as cautelas necessárias para a garantia do insumo água em quantidade, e, principalmente, em qualidade, para sustentar crescimento e desenvolvimento das respectivas regiões.

Não obstante, pouco, ou, até mesmo – o ao que indicam os fatos – praticamente nada foi feito!

De maneira geral, no que se relaciona ao indicativo dos fatos passados e presentes, nenhuma dessas regiões agiu efetivamente para garantir maior produção de água de qualidade. Historicamente, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), ou seja, o GB-Alto Tietê, praticamente nada fez em prol do que poderia vir a ocorrer no futuro. Privilegiada com água de boa qualidade e de baixo custo proveniente do Sistema Cantareira, não tendo garantido razoavelmente o direito dos terceiros prejudicados, foi completamente desidiosa também com a própria situação nessas muitas décadas de concessão/outorga do Sistema Cantareira.

Ao contrário: sem planejamento e sem os respectivos investimentos necessários, a RMSP acomodou-se no indolente conforto da dependência dos recursos hídricos existentes em outra bacia hidrográfica. Vale entender, em outro Grupo de Bacias (GB-PCJ; 5ª UGRHI). Em todas as décadas que sucederam a outorga originária pouco foi feito para se trabalhar a produção de água através da melhor exploração do recurso existente no próprio grupo de bacias hidrográficas; com vistas a gradativamente poder reduzir, ou, até mesmo, eliminar a perigosa dependência que, com a atual crise hídrica, mostrou todas as suas perversas consequências. Trata-se, pois, com a devida licença poética, de crônica de uma morte anunciada!

Um ponto de extrema importância é que legalmente, desde 1997, ou seja, há mais de dezessete anos, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433 /97) rompeu com a visão essencialmente dominial do bem. Para tanto, dentre muitos outros importantes dispositivos de cunho protetivo, referida norma dispõe, ainda que implicitamente, que apenas se poderá outorgar o direito de uso das águas de uma bacia para outra se, e, tão somente se, os volumes d’água a serem outorgados não forem necessários à respectiva bacia fornecedora.

Vale dizer, o inciso VIII do artigo 7º da Lei nº 9.433 /97 dispõe que o Plano de Recursos Hídricos deverá estabelecer as prioridades para outorga de direitos de uso. E, na sequência, o artigo 13 dispõe que toda outorga deverá, obrigatoriamente, estar condicionada às prioridades existentes no Plano de Recursos Hídricos. Em outras palavras, para haver a outorga do direito de uso de água de uma bacia para outra, esta poderá ocorrer se e somente se o Plano de Recursos Hídricos contemplar referida transposição da bacia doadora para a bacia receptora, desde que, não obstante, tal medida esteja tecnicamente fundada em uma boa e real situação hídrica da bacia ou do conjunto de bacias (cf. artigos 5º, II, 9º e 10, referentes ao enquadramento dos corpos d’água).

Dentro desse contexto fático e legal, há ainda acrescer que toda e qualquer transposição de águas de uma bacia ou conjunto de bacias para outra (o) com eventual fundamento no que expressa o caput do artigo 22 da lei nº 9.433 /97 carece da devida compreensão hermenêutica. O dispositivo em comento (art. 22, caput) refere-se única e tão somente ao permissivo legal de que possam ser alocados os recursos decorrentes da cobrança pela outorga de uma bacia para outra bacia após terem sido satisfeitas as necessidades da bacia que gerou os valores. Forte na regra e no princípio correlacionado (v.g., Princípio da Razoabilidade), em hipótese alguma se poderia argumentar que o caput do artigo 22 refere-se à possibilidade de se outorgar direitos de uso das águas de uma bacia para outra.

Como se faz flagrante para aquele que lê o Plano de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo – disponível para consulta pela internet –, este apresenta expressa e ilustrativamente o GB-PCJ como sendo uma das regiões hídricas mais críticas do Estado. Isto posto, impõe-se concluir que do ponto de vista legal, no Plano de Recursos Hídricos referente ao GB-PCJ jamais poderia ser encontrada sequer a possibilidade de outorga de direito de uso de suas águas para qualquer outra bacia, aí incluso o GB-Alto Tietê, desde o avento da Lei nº 9.433 /97, em 08 de janeiro de 1997.

Raciocinar de forma contrária, desconsiderando a situação fática, seria por si só triste; não fosse ilegal e trágico. Tal situação, tanto como a crise hídrica hoje existente em todo o país – especialmente na região sudeste –, quanto a já conhecida lamentável situação dos recursos hídricos pátrios, traz à tona a real dimensão da histórica displicência governamental para o setor. Vale concluir a esse propósito que tal situação em muito transcende a questão da transposição/derivação das águas pelo Sistema Cantareira: diz respeito à questão da transposição de águas de todas as bacias hidrográficas do país.

Contribuindo apenas e tão somente para a perpetuação do problema através de discussões estéreis, para o caso em espécie existe ainda a lamentável argumentação de que o que hoje se quer é retirar a água dos mais de 9 milhões de habitantes da RMSP.

O equívoco desse raciocínio, na completa distorção dos fatos e do que dispõe a Lei, presta-se única e exclusivamente ao discurso político, agravando em muito a situação. Tem, inclusive, o condão de tanto sacrificar ainda mais todas as regiões envolvidas, assim como também dificultar sobremaneira a luta de todos por todos; mormente em razão de tentar, com tal expediente, colocar uma região contra a outra na luta pelos recursos hídricos.

Por força da falácia contida no raciocínio simplista de que o que se pretende com as argumentações aqui feitas seja a retirada das águas do Sistema Cantareira para a RMSP, a situação tornou-se muito mais complexa.

Ainda que desnecessário ressaltar que as reflexões aqui ora feitas não possuem qualquer lastro político, fundamentando-se única e tão somente nos fatos e na Lei, tem-se que nas últimas décadas não ocorreram efetivas medidas políticas de médio e longo prazos para a solução do problema. Tudo sugere que agentes administrativos guiados pela suposta onisciência de agentes políticos eleitos pelo voto popular apenas fazem “ajustes” pontuais nas interpretações legais, de maneira a tentar “driblar” tão perigosa situação. Nesse ponto é sempre importante ser lembrado que a mera vontade política não é respaldo para a discricionariedade. Há que se prestar o devido respeito às normas jurídicas: regras e princípios.

As populações de ambas as regiões não podem continuar a ser sacrificadas. Impõe-se que medidas concretas sejam efetivamente tomadas. Que, com base nos fatos e na Lei, sejam estabelecidos planos de curto, médio e longo prazos, para que, gradativamente, tanto as águas provenientes do Sistema Cantareira sejam substituídas por águas produzidas no próprio GB-Alto Tietê (Região Metropolitana de São Paulo), assim como que também seja estabelecida a fundamental e devida indenização para que os Municípios da região do GB-PCJ possam dispor de recursos, devidamente gravados, para que possam ser destinados à melhoria da quantidade e qualidade das águas do GB-PCJ.

Não há como deixar de refletir que, em assim agindo, todos os muitos milhões de habitantes das duas regiões ganharão. Tanto aqueles que aqui hoje estão, assim como, também, aqueles que ainda se encontram no porvir. Como já colocado, trata-se de uma luta de todos a favor de todos.

Wlamir do Amaral, advogado e professor de Direito, inclusive Ambiental.

As Secas e Enchentes e sua Estreita Relação com a Degradação das Bacias Hidrográficas

Dentro do funcionamento do ciclo hidrológico, fica bem claro que não adianta chover para haver produção de água doce na bacia hidrográfica. É necessário haver a floresta (e/ou retenção das águas de chuva pelo solo) e a consequente preservação do húmus do solo.

A água doce necessária ao abastecimento da população humana e demais seres vivos é limitada na natureza, e permanece sempre disponível graças ao ciclo hidrológico. Dos 100 % de água livre e circulante pelo ciclo hidrológico, 97,5 % correspondem a água salgada (do mar), e dos 2,5 % de água doce que restam, em torno de 1,7 % está preso nas calotas polares, e apenas aproximadamente 0,7 % é que está disponível para o abastecimento humano como água doce dos rios, lagos de água doce e mananciais hídricos subterrâneos (lençóis freáticos e artesianos). O equilíbrio do ciclo hidrológico é fundamental para a produção sustentável de água doce (para o atendimento ao abastecimento de água, irrigação, geração de energia hidrelétrica, e outros), bem como no amortecimento das enchentes no ecossistema da bacia hidrográfica. As principais etapas integrantes do ciclo hidrológico são: precipitação das gotículas de água existentes nas nuvens, transpiração vegetal, infiltração da água no solo, escoamento da água subterrânea, evaporação do solo e das superfícies líquidas, escoamento superficial (“run-off”) da água na superfície dos terrenos, escoamento dos corpos hídricos superficiais continentais em direção ao mar (os oceanos correspondem, em média, a 75 % da superfície do planeta, partindo daí a maior parte do vapor d’água que vai para a atmosfera), e a condensação do vapor d’água atmosférico formando novamente as nuvens, havendo o fechamento do ciclo da água, dentro de um processo dinâmico, onde o equilíbrio dos ecossistemas naturais é fundamental para o equilíbrio do ciclo da água no planeta. Durante o ano hidrológico vão ocorrer normalmente o período chuvoso (que dura de 4 a 5 meses) e o período de estiagem (que dura de 7 a 8 meses). Na natureza equilibrada, nos ecossistemas continentais, durante os períodos de estiagem os vegetais em geral não morrem, porque são nutridos em água principalmente pelos lençóis freáticos (que também alimentam os rios), que tiveram sua recarga natural durante os períodos chuvosos, graças à importante atuação de retenção hídrica das próprias florestas.

Dentro do funcionamento do ciclo hidrológico, fica bem claro que não adianta chover para haver produção de água doce na bacia hidrográfica. É necessário haver a floresta (e/ou retenção das águas de chuva pelo solo) e a conseqüente preservação do húmus do solo. Com isso, durante os períodos chuvosos, o húmus funciona como uma verdadeira “esponja” retentora de água da chuva, que depois se infiltrará no solo devido às fissuras promovidas pelas raízes dos vegetais, produzindo água doce e alimentando com mais água os rios durante os períodos de estiagem, e amortecendo os transbordamentos de água pela calha dos rios durante os períodos chuvosos. Se a água das chuvas não se transformar em infiltração hídrica subterrânea (que é o grande reservatório de água doce na natureza), vai ocorrer maximização das enchentes nos períodos chuvosos (e essa água é encaminhada a curto-prazo para o mar, transformando-se em água salgada), e durante os períodos de estiagem, os rios ficam com menos água, pois o principal alimentador de água dos rios nessa época são os lençóis hídricos freáticos, que estão depletidos, em nível mais baixo; isto ocorre porque não houve a sua recarga natural durante os períodos chuvosos; isto por sua vez ocorre porque o desmatamento descontrolado, a antropização desordenada da bacia hidrográfica (práticas agrícolas perniciosas, pecuária com degradação do solo, desenvolvimento urbano crescente e sem sustentabilidade ambiental com a poluição dos rios por lixo e esgotos e a impermeabilização crescente do solo, práticas extrativistas com impactos ambientais negativos, e outros) e o conseqüente carreamento do húmus do solo fazem com que a recarga natural das águas das chuvas no solo seja bastante minimizada, gerando como conseqüência a maximização do escoamento hídrico superficial (“run-off”) do solo e poluição dos rios, agravando as enchentes durante os períodos de chuvas intensas, e também agravando as secas durante os períodos de estiagem (pela diminuição da alimentação dos rios pela água subterrânea).

Desta forma, como já vem acontecendo no Brasil, nas bacias hidrográficas degradadas costumam existir, com freqüência, enchentes e secas, às vezes no mesmo ano e no mesmo local. Na Região Norte do Brasil, ocorreram enchentes severas no início deste ano, durante o período normal chuvoso, e que geraram conseqüências desastrosas à população humana; nessa mesma região houve seca com calamidade pública a dois anos atrás. Atualmente, na Região Sudeste do Brasil, o período chuvoso 2014-2015 com poucas chuvas tem gerado grandes prejuízos e riscos à saúde da população pela escassez de água doce. A cidade de São Paulo sofre quase todos os anos com enchentes nos períodos chovosos. Será que, efetivamente, estes problemas estão acontecendo pela excessiva precipitação da água atmosférica em várias regiões brasileiras, gerando enchentes, e pela excessiva falta de chuvas em outras regiões, gerando secas ? ; ou a culpa é do “AQUECIMENTO GLOBAL” ? ; ou, na realidade, a responsabilidade principal dessas tragédias que vêm ocorrendo com as enchentes e secas em nosso país não é decorrente em maior proporção de uma FALTA DE GESTÃO COM SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL PARA AS BACIAS HIDROGRÁFICAS BRASILEIRAS ?

Se formos observar com um nível de detalhe técnico ambiental mais profundo, iremos verificar que as bacias hidrográficas onde ocorreram essas tragédias estão com nível elevado de degradação ambiental, com crescente desmatamento, ocupação irregular e descontrolada do solo, atividades que geram recursos e lucros aos proprietários das terras e empresários responsáveis por empreendimentos, mas que estão por sua vez aumentando a degradação ambiental, os danos à população e, em pouco tempo, levarão à desvalorização econômica dessas áreas devido à destruição dos ecossistemas naturais que lá haviam e de sua biodiversidade ecológica. A impermeabilização do solo dessas bacias hidrográficas tem crescido em grande escala, aumentando o escoamento superficial da água durante os períodos chuvosos, ampliando as enchentes; e por sua vez, agravando as secas nos períodos de estiagem. Isto está acontecendo na bacia hidrográfica do Sistema Cantareira, em São Paulo, e na do rio Paraíba do Sul, que hoje sofrem com elevado stress hídrico. A precariedade dos serviços de saneamento, mesmo com soluções mais simples e de baixo custo, soluções essas que muitas vezes inexistem, é uma realidade na maioria de nossas bacias hidrográficas. É fácil prever que essas áreas de inundação da Região Norte (que recentemente estiveram com enchentes), irão certamente passar por falta de água em períodos futuros de estiagem (como já aconteceu na seca vigorosa que ocorreu na região a dois anos atrás); e que essas áreas de seca na Região Sudeste do Brasil, por terem suas bacias hidrográficas impermeabilizadas e degradadas, irão sofrer processos consequentes de enchentes com calamidades públicas durante as próximas chuvas intensas, que são normais nos períodos chuvosos (pode haver alguma variação na magnitude da intensidade das chuvas de um ano para outro, devido à randomicidade dos processos pluviométricos na natureza). Todos esses fatores de degradação são agravados com o descaso nas atividades básicas de gestão ambiental sustentável. Deve-se, portanto, prever investimentos prioritários na recuperação das regiões afetadas. Sob o aspecto da sustentabilidade ambiental, esses investimentos devem incluir:

  • Programas de Educação Ambiental;

  • Monitoramento Ambiental Permanente da bacia hidrográfica, incluindo qualidade da água e monitoramento hidrométrico dos rios, e de uso e ocupação do solo (utilizando o georeferenciamento);

  • Realização de Diagnóstico Ambiental, sendo caracterizados o nível de degradação ambiental e as suas principais origens, visando subsidiar a implantação de obras e atuações corretivas, todas com sustentabilidade ambiental, dentro das bacias hidrográficas afetadas;

  • Controle do uso e ocupação do solo. Priorizar o Programa de Recuperação Ambiental das áreas degradadas;

  • Programas de reflorestamento nas bacias hidrográficas, de preferência com espécies nativas, priorizando as APPS (Áreas de Preservação Permanente) – topos de morro, encostas com declividade superior a 45o e faixas marginais de proteção dos rios;

  • Programas emergenciais para aumento da recarga subterrânea das águas de chuva e de retenção hídrica adequada na bacia, a partir de obras e intervenções de engenharia na bacia hidrográfica drenante;

  • Controle das atividades produtivas nas bacias hidrográficas afetadas, priorizando-se as soluções limpas, que gerem desenvolvimento e progresso, sem danificar o meio ambiente, e ao mesmo tempo, que possam gerar lucro. As atuações com desenvolvimento sustentável têm levar em conta o tripé: Soluções Ecologicamente Viáveis x Economicamente Viáveis x Socialmente Desejáveis;

  • Implantação nessas bacias hidrográficas de atuações de saneamento com sustentabilidade ambiental, levando em conta:

  1. o abastecimento de água com preservação dos mananciais hídricos;

  2. o reuso dos esgotos sanitários urbanos tratados com soluções limpas e também de baixo custo (incluindo a utilização de lagoas de estabilização e outras soluções similares), com utilização dessas águas ricas em nutrientes para irrigação, recarga de água subterrânea e até para criação de peixes; o lodo dos esgotos orgânicos pode ser encaminhado para biodigestores e transformado em biogás (energia, ajudando a combater o aquecimento global)) e composto orgânico para a agricultura, ao invés de poluir e assorear os rios;

  3. Políticas Públicas sustentáveis na gestão dos resíduos sólidos urbanos, incluindo a não geração, redução e reciclagem e reutilização a partir da coleta seletiva. Principalmente nas áreas urbanas, o problema do lixo disperso, além de agravar as enchentes na parte baixa da bacia hidrográfica, também pode favorecer a proliferação de mosquitos (como o da dengue) e outros vetores animados (caramujos, moscas, ratos, etc.), agravando os riscos de saúde pública. Esse mesmo lixo que gera impactos ambientais negativos, pode, numa política pública sustentável, com a implantação da coleta seletiva e reciclagem destes resíduos, além das vantagens ambientais, ter ainda a importante função de gerar empregos e renda, ajudando a combater a exclusão social. Além disso, pode ser aproveitado o lixo úmido (que corresponde a aprox. 50% dos resíduos sólidos urbanos) como composto orgânico, visando baratear as atividades de reflorestamento das áreas degradadas, ajudando na recuperação do solo das bacias hidrográficas.

 

O problema das grandes enchentes que assolam nosso País em épocas de chuvas intensas e o de estiagens vigorosas (que são problemas opostos, mas que estão inter-relacionados), induzindo à necessidade do racionamento de água pela tendência de exaurimento das reservas hídricas naturais continentais (na estiagem), bem como de grandes prejuízos e riscos de saúde pública pelas enchentes (no período chuvoso), às vezes ocorrendo as duas situações opostas no mesmo ano e no mesmo local, fazem parte, em geral, da realidade nacional nos dias de hoje, devido à degradação de grande parte das bacias hidrográficas brasileiras.

Se conseguirmos atingir efetivamente o estágio de Desenvolvimento Sustentável, o que é possível e desejável, a partir de decisões políticas e governamentais bem orientadas, as nossas reservas naturais, em especial a água, serão recuperadas e preservadas, com atuações ordenadas de ocupação adequada do solo, combate à erosão, reciclagem dos resíduos, aproveitamento das águas de chuvas e/ou sobrantes para a realização da recarga artificial de água subterrânea, implantação de reflorestamentos estrategicamente localizados, atuações de agro-pecuária com sustentabilidade ambiental, desenvolvimento urbano sustentável, definição de sistemas sócio-econômicos e educacionais que contribuam para a redução da pobreza/miséria, além de outras.

A maior regularidade do regime dos rios gerada pelo reflorestamento e por intervenções de aumento da recarga subterrânea das águas de chuva também vai favorecer bastante a operação das atuais barragens existentes nos rios brasileiros, pois os principais problemas de escassez hídrica para irrigação, abastecimento d'água e geração de energia hidrelétrica vão ocorrer especialmente nos períodos de seca, que serão bastante minimizados devido à maior recarga da água subterrânea gerada durante os períodos chuvosos por essas intervenções sugeridas, gerando maior alimentação hídrica aos rios durante as estiagens.

É, portanto, fundamental que se modifiquem certos paradigmas convencionais que já estamos utilizando a várias décadas e passemos a adotar uma Política de Desenvolvimento com Sustentabilidade Ambiental, que efetivamente dignifique a nossa população (permitindo boas condições de progresso, saúde, bem-estar e lazer) e, ao mesmo tempo, mantenha o meio ambiente preservado, onde as enchentes e as secas estarão controladas, sem o qual estaremos colocando em risco a nossa própria saúde e sobrevivência dentro de um futuro próximo imprevisível.

Rio de Janeiro, 06 de julho de 2015.

Adacto Benedicto Ottoni - Engenheiro Civil Sanitarista - Professor Adjunto e Coordenador do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Engenharia Sanitária e Ambiental da UERJ.

Entrevista - Paulo Affonso Leme Machado

Um ponto que pode ser melhorado é o fato de a própria mineradora fazer os relatórios de segurança. Está na lei 12.334/2010.

16 de Dezembro às 14h45

A coluna conversou com o professor de direito ambiental da Universidade Metodista de Piracicaba, Paulo Affonso Leme Machado, sobre a questão legal envolvendo o acidente de Mariana. O professor destacou a importância da revisão de alguns pontos da legislação, como o fato de que são as próprias mineradoras que elaboram os relatórios de segurança, sem a participação de órgãos reguladores.


Qual a punição prevista na legislação do Brasil para executivos de empresas envolvidas em desastres ambientais?

Havia uma determinação do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais – COPAM, em deliberação de 2013, para que a Samarco apresentasse um relatório em 2014 sobre a segurança da barragem e isso não foi feito, ao que se noticia. Nesse caso, o fato de não ter apresentado o relatório e nem ter tomado as medidas de avisar aos moradores se enquadra na lei 9.605/1998 e a pena pode chegar a três anos de detenção, quando é doloso. Se é culposo, a pena máxima é de um ano. Tem outras leis que se encaixam nessa situação de Mariana, como o Código Penal, de 1940; a Lei 12.608/2012, sobre desastres ambientais; e a lei 6938/1981, que fala da responsabilidade civil ambiental.

O Ibama divulgou recentemente que menos de 3% das multas ambientais são pagas. A legislação é frouxa nesse ponto?

Eu não diria que seja por isso, eu acho que é falta de empenho. Acho que mais do que multa, está faltando empenho no processo criminal. As penas dos crimes ambientais são pequenas. Veja, não estou querendo ver várias pessoas indo para cadeia, mas quem erra precisa de punição.

Além das multas, a legislação prevê quais outras medidas a serem tomadas pelas empresas?

Prevê questões como tratamento médico, próteses, construção de casas em outros locais... Isso não é obrigação nem do Estado e nem da União. Não foi uma inundação, e sim o rompimento de uma barragem. A lei 6.938/81, que ajudei a elaborar, contém a responsabilidade civil ambiental independente de culpa. Toda a vez que uma barragem se rompe e há danos pessoais ou materiais, não se precisa provar o dolo ou a culpa. Quem fez a barragem? Foi a firma “A” ou “B”. Então, só com esses elementos, já existe a obrigação de indenizar ou de reparar.

Existem pontos na lei ambiental brasileira que precisam ser revistos e atualizados?

Um ponto que pode ser melhorado é o fato de a própria mineradora fazer os relatórios de segurança. Está na lei 12.334/2010. Os órgãos fiscalizadores ficam como espectadores. Os reguladores teriam que estar na elaboração desses laudos. Outra coisa que gostaria de destacar é que os órgãos públicos precisam levantar a questão da falta de recursos. Se eles não têm condições, na atualidade, de fiscalizar por escassez de recursos, esses órgãos precisam levantar essa questão e mostrar à nação.

Qual o destino do dinheiro da multa paga pela empresa?

Nós temos a multa e a reparação. A empresa precisa fazer a recomposição daquilo que pode ser recomposto, como fauna e flora. Os recursos destinados a essas ações vão para o Fundo dos Direitos Difusos, que ajudei a elaborar na época para o então Ministro da Justiça, Fernando Lyra (1938-2013), e para o Prof. Joaquim Falcão, como Chefe de Gabinete. Uma coisa é a reparação das vítimas e a outra é a reparação ao meio ambiente.

Entrevista conferida pelo Prof. Paulo Affonso Leme Machado ao Jornal do Commercio, na coluna de Marcia Peltier: "Lama marítima". Sexta-feira e fim de semana, 27, 28 e 29 de novembro de 2015.

Paulo Affonso Leme Machado é professor titular da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Ambiental nacional e internacional, atuando principalmente nos seguintes temas: recursos hídricos, constituição federal e meio ambiente, direito à informação e meio ambiente. Premiações recentes: Medalha Mérito Ambiental/2009, concedida pelo IBAMA (2009). Diploma Chico Mendes de Ecologia e Meio Ambiente da Câmara Municipal de Piracicaba, (2009). Homenageado pelo Superior Tribunal de Justiça da Cidade Autônoma de Buenos Aires - Argentina (2009). Chevalier de La Légion d´ Honneur, título concedido pelo Governo da França (2011).

Integração da Gestão de Água e o Enquadramento*

A articulação entre os instrumentos de gestão para a integração da qualidade e quantidade de águas tem no enquadramento um dos instrumentos mais importantes.

RESUMO -. A articulação entre os instrumentos de gestão para a integração da qualidade e quantidade de águas tem no enquadramento um dos instrumentos mais importantes. O enquadramento dos corpos de água em classes expressa o objetivo de qualidade de água (classe) e deve indicar as metas (atividades físicas e de gestão) a serem atingidas. Além disso, é obrigatório (Resolução 357/05). É preciso reenquadrar e/ou enquadrar os corpos de água brasileiros, definindo metas e programas de efetivação do enquadramento para garantir a integração e articulação necessária para a garantia do objetivo comum da Política Ambiental e de Recursos Hídricos em relação à gestão das águas. A criação de instâncias de integração discutida no âmbito do Ministério do Meio Ambiente para a articulação dos instrumentos de gestão por si só não se demonstra suficiente para a articulação dos instrumentos e instituições na Gestão das Águas, dois assuntos de vinculação indireta.

ABSTRACT – Water management instruments need to be implemented in a coordinate manner. One of the main topics of coordination is the integration of water quality and quantity aspects. Classification of water bodies is an instrument that represents both the definition of water quality objectives and the programs and projects that are needed to sustain designated uses. To classify, or even to re-classify, water bodies in Brazil is currently a urgent task to be performed by the water resources management system., accordingly to the definitions of Resolution CONAMA 357/05). The current discussion within the Ministry of the Environment regarding the creation of an institutional body to identify integration priorities for the articulation of management instruments, by itself is not sufficient for the integration of instruments and the relevant institutions in Water Management, two issues which are indirectly linked.

Palavras-Chave: Enquadramento, programa de efetivação, integração.

1. INTRODUÇÃO

A integração da Gestão das Águas é objetivo e diretriz geral de ação para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e depende tanto da articulação entre os instrumentos de gestão quanto da articulação interinstitucional (Lanna, 2000). A articulação entre os instrumentos de gestão para a integração da qualidade e quantidade de águas tem no enquadramento um dos instrumentos mais importantes (Porto, 2002). Para o programa de efetivação deste enquadramento – medidas e ações necessárias para atingir as metas intermediária e final do enquadramento (conforme definições da Resolução CONAMA 357/05) - é essencial a articulação institucional. A figura a seguir ilustra estes níveis de articulação - os papéis dos atores do sistema hídrico, ambiental e dos gestores municipais são definidos e articulados em função das metas de enquadramento em um ciclo interdependente:

Figura 1: Ciclo de Gestão - Integração da Gestão das Águas e o Enquadramento

2. INTEGRAÇÃO DA GESTÃO

2.1 Articulação entre os instrumentos: papel do enquadramento

O enquadramento dos corpos de água em classes expressa o objetivo de qualidade de água (classe) e deve indicar as metas (atividades físicas e de gestão) a serem atingidas. Além disso, é obrigatório (Resolução 357/05). Desta forma, o enquadramento compõe a articulação dos instrumentos de gestão hídrica e ambiental na garantia da integração entre qualidade e quantidade na Gestão da Água, ao reunir os instrumentos de acordo com o mesmo objetivo de qualidade e quantidade de água (Porto, 2002). Os instrumentos se articulam para o alcance da meta final de água – efetivação do enquadramento.

O diagnóstico necessário para o enquadramento previsto no Plano de Bacia deve considerar os usos da água mais restritivos, incluindo aqueles previstos nos zoneamentos ambientais, programas, projetos e políticas - PPPs estaduais, regionais e nacionais relacionados com a gestão das águas, incluindo os de planejamento do uso do solo, controle de carga difusa, e de saneamento ambiental.

As metas de enquadramento definem os papéis da outorga de uso de recursos e da licença ambiental, articulando-as para garantia da disponibilidade de água para atender seus usos múltiplos, respeitando-se uma vazão mínima para cada corpo d’água necessária à preservação da degradação ambiental, manutenção dos ecossistemas aquáticos, dentre outros usos, e uma vazão de diluição e carga máxima para o lançamento de poluentes.

Os sistemas de informação ambiental e de recursos hídricos devem estar integrados de acordo com a mesma base de dados definida pelo enquadramento para o planejamento e controle da gestão.

A fiscalização do uso do solo e monitoramento da água com base nas mesmas metas permite o controle articulado da gestão de acordo com a qualidade e quantidade das águas.

2.2 Articulação interinstitucional: o papel do programa de efetivação do enquadramento

O programa de efetivação do enquadramento, que depende da articulação interinstitucional para a Gestão de Águas na integração da qualidade e quantidade de água, é o conjunto de medidas e ações progressivas e obrigatórias, necessárias ao atendimento das metas intermediária e final de qualidade de água estabelecidas para o enquadramento do corpo hídrico (art. 2, XXIX da Res. 357/05). A partir do programa de efetivação do enquadramento os PPPs relacionados com a Gestão das Águas são revistos e/ou elaborados em função do enquadramento.

O programa de efetivação é definido a partir do enquadramento. Inclui medidas estruturais e não estruturais de gestão - a implantação de redes de tratamento de esgoto e estruturas de controle de poluição de carga difusa, a implantação dos instrumentos de planejamento e controle dos órgãos de gestão, planejamento do uso do solo, e a vinculação de recursos financeiros, humanos e técnicos com as metas do enquadramento. A sua coordenação cabe às Agências de Água.

A implantação do programa de efetivação depende de obrigações específicas definidas por meio de convênios e contratos; da capacitação e estruturação dos órgãos de gestão; de diretrizes comuns para a gestão hídrica e ambiental; da garantia de recursos financeiros e viabilidade técnica e de recursos humanos para a efetivação do enquadramento; e da articulação entre os planejamentos regionais, estaduais, nacionais e a gestão do uso do solo.

A elaboração e a implantação destes instrumentos dependem, além da existência de uma instituição coordenadora (no caso federal exercida pela Agência Nacional de Águas), da existência de uma estrutura institucional que permita a articulação entre os sistemas de gestão com base no enquadramento.

Esta articulação institucional inclui a possibilidade de elaboração de normas conjuntas pelos sistemas de gestão hídrica e ambiental por meio de seus conselhos. A falta de articulação entre o Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH e Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA ficou evidente com as discussões em torno do Projeto de Resolução Conjunta de Outorga e Licença que “estabelece diretrizes para a integração dos procedimentos de obtenção da outorga de direito de uso de recursos hídricos com os de licenciamento ambiental”. O projeto de Resolução é de 2003 e não foi aprovado até a presente data por falta de consenso quanto aos procedimentos para a articulação dos sistemas. A adoção de normas conjuntas depende de revisão dos regimentos internos dos conselhos. Para resolver o impasse, o Departamento de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente – DAI chegou a sugerir a criação de uma instância de integração específica dos conselhos, mas isso ainda está sendo analisado no âmbito do Ministério (MMA, 2005).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A articulação entre os procedimentos dos conselhos de gestão discutida atualmente no âmbito no Ministério do Meio Ambiente por si só não garante a integração para a Gestão das Águas. É preciso enquadrar e/ou reenquadrar os corpos de água brasileiros, definindo metas e programas de efetivação do enquadramento que representem de fato a integração (representada na figura 1) e garantam os objetivos da Política de Recursos Hídricos e Política do Meio Ambiente.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LANNA, Antonio Eduardo. A inserção da gestão das águas na gestão ambiental. Interfaces da gestão de recursos hídricos: desafios da Lei das Águas de 1997. 2ª ed., Brasília: Secretaria de
Recursos Hídricos, 2000: 75-109.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Nota Técnica exarada pela SQA/MMA em 4 de janeiro de 2005, sobre Integração de Procedimentos de Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos e de Licenciamento Ambiental (consulta na internet, endereço www.mma.gov.br em 18.09.06).

PORTO, Monica Ferreira do Amaral. (2002). Sistemas de gestão da qualidade das águas: uma proposta para o caso brasileiro. Tese de Livre Docência. São Paulo:, POLI/USP, 2002.

* Ano de publicação: 2006.

Lilia Toledo Diniz - Pesquisadora da EPUSP, Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária, Mestranda pelo PROCAM/USP. E-mail liliadiniz@gmail.com.br.

Ana Paula Z. Brites - Pesquisadora (Doutoranda) da EPUSP, Departamento de Hidráulica e Sanitária. Email: apzubrites@yahoo.com.br.

Letícia Santos Masini - Pesquisadora (Mestre) da EPUSP, Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária. E-mail: lemasini@uol.com.br.

Luiz Fernando Orsini Yazaki - Pesquisador da EPUSP, Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária. Email: luizfyazaki@uol.com.br.

Monica Ferreira do Amaral Porto - Professora Titular da EPUSP, Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária. Email: mporto@usp.br.

As dimensões do desastre em Mariana

A tragédia gerada pelo desastre de Mariana só espelha a falta de fiscalização, de planejamento estratégico e a incapacidade de prevenir impactos deste porte.

15 de Dezembro às 14h45

O grande desastre ambiental em Mariana (MG), com o rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro, tem múltiplas e complexas dimensões. Uma dessas dimensões, de grande impacto, é a deterioração ambiental do Rio Doce, com alterações graves no sedimento do rio, na fauna e na flora aquáticas e na qualidade da água. A perda de negócios e de competitividade para atrair investimentos, decorrente da deterioração ambiental, tem repercussões importantes no desenvolvimento econômico e na geração de empregos de toda a região afetada.

Quando ocorrem estes desastres, há processos cumulativos que vão se sucedendo no espaço e no tempo. O acidente causou enorme perda de serviços do ecossistema do rio: abastecimento de água, pesca, efeitos na circulação das águas e nas águas costeiras, biodiversidade. A contaminação remanescente, que pode durar muitos anos, é impacto cumulativo, que por décadas afetará a biodiversidade, as cadeias alimentares e a capacidade produtiva do rio.

As perdas no abastecimento público de água, com a impossibilidade do uso do Doce, são consideráveis: o abastecimento por carros-pipa e outros meios pode não ter um controle de qualidade eficiente, podendo causar doenças.

O processo de avaliação de impacto ambiental do rompimento da barragem deve ser feito com visão sistêmica da bacia hidrográfica do Rio Doce, incluindo todas as possíveis conectividades e interações entre os componentes físicos, químicos, biológicos, sociais e econômicos. Avaliações parciais e setoriais dos impactos não vão aprofundar o diagnóstico.

Na avaliação de impacto é importante um estudo detalhado e profundo do desastre na economia regional. Muitos municípios na região de mineração dependem do funcionamento dos sistemas de exploração mineral para se desenvolver. Além desta perda, a avaliação deve considerar os efeitos na economia regional da bacia e dos municípios a jusante. E há um componente de alta complexidade, fundamental: a avaliação do impacto na saúde humana da população urbana, ribeirinha, de vilas e fazendas. Após a etapa de avaliação do impacto, é preciso desenvolver, rápido e após detalhada análise crítica de todo o conjunto, um projeto de recuperação da bacia do Rio Doce, e não só da calha do rio. Rios dependem de tributários para seu funcionamento adequado, e recuperar a bacia é essencial - e a bacia do Doce já vinha sofrendo inúmeros impactos nos últimos 20 anos.

A tragédia de Mariana, apesar de sua magnitude e do sofrimento humano e ambiental causado, pode ser uma grande oportunidade para a contribuição da comunidade científica, empresarial e governamental na recuperação da bacia do Rio Doce. A revitalização dela há muito é devida. Tratamento de esgotos, recuperação da cobertura vegetal nativa, aproveitamento e reciclagem dos resíduos de mineração e proteção de mananciais são oportunidades que podem e devem ser exploradas, abrindo novas possibilidades de geração de emprego, renda e serviços. O desastre pode ser a motivação para um grande projeto de recuperação socioambiental e econômica.

Há outras lições que devem ser aprendidas: o Brasil ainda não encontrou o ponto de equilíbrio entre exploração de recursos naturais, desenvolvimento econômico e sustentabilidade. Há iniciativas na área governamental (governo federal, Estados e municípios, iniciativa privada, terceiro setor), mas não há um modelo e um projeto mobilizador de nação de longo prazo. A tragédia gerada pelo desastre de Mariana só espelha a falta de fiscalização, de planejamento estratégico e a incapacidade de prevenir impactos deste porte. Trata-se de mais um alerta de grande magnitude da necessidade de um poder público capacitado e atuante na defesa dos interesses da sociedade.

Outros países, como Japão e EUA, conseguiram rapidamente minimizar os efeitos dos desastres e avançar muito na gestão e prevenção com investimento científico e conhecimento com visão sistêmica. Que a tragédia de Mariana sirva de alerta e lição!

José Galizia Tundisi - professor titular aposentado da Universidade de São Paulo. Atua na pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos, orientando mestres e doutores.
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, na Seção de Economia, no dia 11 de dezembro de 2015.